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A explosão do Restaurante Filé Carioca

É importante lembrar que minhas elucubrações  são apenas hipóteses e que precisam de  verificação e teste in loco para concluírem em um trabalho científico. Aqui não é o nosso caso, estamos portanto no campo das hipóteses baseadas nos relatos e fotos divulgadas na imprensa.

 

Descrição do acidente: 

 

No dia 13 de outubro de 2011, por volta das 7:30h da manhã, no centro do Rio de Janeiro, ocorreu uma grande explosão – provavelmente de gás – no Restaurante Filé Carioca, localizado na Praça Tiradentes, número 09 lojas D/E. O restaurante funcionava num prédio de onze andares, o Edifício Riqueza. Com o impacto da explosão, nove andares foram atingidos, os imóveis imediatamente vizinhos ao restaurante ficaram completamente destruídos.

 

O Restaurante Filé Carioca é uma empresa familiar, tendo sua sociedade composta pelos sócios Rogério (Administrador, pós-graduado em Administração Financeira pela FGV-RJ) e Priscilla (Engenheira Mecânica, formada pela PUC-RJ). O casal também é proprietário de uma Cafeteria e outro Restaurante, o SABOR DO MERCADO, localizados no Mercadão Rio (Grupo Zamboni), no Mercado São Sebastião. O horário de expediente do Restaurante Filé Carioca era das 11hs às 16hs de 2ª a 6ª feira.

 

A hipótese mais provável:

 

Conforme veiculado pela mídia, a hipótese mais provável foi o vazamento de gás, seu acúmulo em grande quantidade no interior do restaurante ao longo do feriado, bem como a ignição no dia seguinte quando de sua abertura pelos funcionários por volta das 7:30h.

 

Baseando-se nas fotos imagino que o local da explosão tinha aproximadamente 12m (largura) x 25m (comprimento) em cada um dos seus dois andares. Isso é muito importante, pois quanto menor o espaço do confinamento do gás maior a pressão e menor a quantidade necessária de gás para uma grande explosão.

 

Pelo tamanho da destruição que atingiu até o oitavo andar do prédio, imagino que o volume de gás tenha sido superior a 10Kg. Para se ter uma idéia, na explosão ocorrida no Shopping Osasco Plaza, às 12:10h de 11 de junho de 1996, o inquérito apontou 7Kg de gás concentrados num caixão perdido para nivelar o piso da laje variando de 30cm à 1m, ou seja, uma área menor que a do restaurante.

 

Apenas 1 litro de gás no seu estado líquido transforma-se em aproximadamente 250 litros de gás no estado gasoso (vapor). Segundo observado na imprensa, mangueiras plásticas (usadas em P13 e que não poderiam ser usadas no P45) apresentavam vazamentos, cada cilindro de P45 tem uma vazão de aproximadamente 1,2Kg de gás por hora. Normalmente em restaurantes são conectados simultaneamente 2 ou 3 cilindros à um fogão industrial. E tivemos 24 horas com o restaurante fechado no feriado. Em suma havia a possibilidade de vazar aproximadamente 24Kg de gás nas 24 horas por cada cilindro de P45.  Mas a quantidade exata de gás que vazou (10Kg baseando-se na destruição ou 24Kg baseando-se no tempo) dependem de perícia. E varia conforme o rompimento da mangueira, as válvulas que estavam abertas, quantos Botijões estavam conectados, etc. Apenas 1 Kg de gás equivale a 13 Kg de dinamite. O GLP é mais pesado que o ar e se deposita em sub-solos, encanamentos, etc. formando uma bomba que aguardava a sua detonação no dia seguinte. 

  

Aprendendo com os prováveis fatores contribuintes para este e outros acidentes de gás:

 

1)      Gambiarras, mangueiras e conexões reaproveitadas ou deterioradas;

2)      Falta de norma (processo interno) de fechar válvulas dos Botijões ao final do expediente;

3)      Falta de norma de manutenção e troca de mangueiras nos prazos devidos;

4)      Utilização de técnicos inexperientes ou desqualificados para a manutenção e instalação do gás;

5)      Deitar ou aquecer Botijões supondo aproveitar ao máximo do gás;

6)      Funcionários não treinados para agir em casos de vazamentos de gás;

7)      Receber alvará de funcionamento sem aprovação do Corpo de Bombeiros;

8)      Falta de fiscalização do Corpo de Bombeiros e da Prefeitura.

  

Resultado do acidente:

 

Como resultado do acidente, até 17 de outubro, 3 pessoas morreram (todos funcionários do restaurante), 17 ficaram feridas sendo 4 em estado grave. Por sorte o restaurante fica a apenas 800 metros do Hospital Souza Aguiar, situação que facilitou bastante o atendimento e socorro aos feridos, ajudando a reduzir o número de vítimas fatais.

 

O hotel vizinho ao prédio da explosão está interditado, o Edifício Riqueza onde existe comércio, serviços e residências também está interditado. A remoção dos escombros levará até 60 dias. O piso de 3 andares desapareceu. Houve a perda total do restaurante e das empresas imediatamente vizinhas a ele.

 

O seguro dificilmente indenizará neste caso, em função do Restaurante não possuir licença, descumprindo norma do Corpo de Bombeiros para não utilizar gás.

 

PARA ENTENDER COMO A EXPLOSÃO OCORRE E COMO SE COMPORTA O GLP LEIA MEU POST ABAIXO SOBRE O GÁS.

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Conhecer o gás GLP ajuda a explicar os acidentes e evitá-los:

Você já imaginou se seu desodorante de spray explodisse quando você estivesse usando? Sabia que dentro dele há gases butano e propano, os mesmos utilizados nos botijões de cozinha? Não acredita? Então leia o rótulo de ingredientes do seu desodorante (se for spray é claro). O Propano e Butano são usados para expulsar o produto (perfume) do tubo causando o spray. Pois é, mas não se preocupe que seu desodorante não vai explodir, exceto se você jogar o tubo em uma fogueira. Ou seja, o uso correto do desodorante e do botijão de gás é fundamental para se evitar acidentes.

Porque e como acontece uma explosão de gás?

Se você encher um balão de ar demasiadamente ele rompe e estoura. Porque a pressão foi superior a que o balão agüentava, pois a quantidade de ar que você colocou ao encher foi acima da capacidade prevista para o balão.

Em um vazamento de GLP o gás em seu estado gasoso preenche o ambiente (se não for ventilado e assim reter o gás), ao encontrar uma fonte de ignição (chama, fagulha, etc.) ele queima e imediatamente se expande causando a explosão em milésimos de segundos. Como conseqüência concomitante há um enorme deslocamento de ar destruindo tudo a sua volta. Quanto maior for a quantidade de gás e menor o confinamento do mesmo, maior será a pressão da explosão e do deslocamento de ar.

A queima do GLP chega a mais de 1.000° C se extinguindo em milésimos de segundos transformando-se em monóxido de carbono (CO). Esse fenômeno se chama FLASH, e mata todas as pessoas em contato com essa onda de calor.

Entendendo o Botijão de gás, quais os tipos, o que tem dentro:

Existem tipos diferentes de botijão em razão da capacidade de gás que carregam, conforme tabela abaixo:

Botijão

Volume de GLP

GLP Kg

Uso mais comum

Norma da Válvula

P-2 5,5 litros 2 kg Fogareiros, lampiões e maçaricos NBR 8614
P-5 12,0 litros 5 kg Uso doméstico para cozimento de alimentos e maçaricos NBR 8614
P-13 31,5 litros 13 kg Uso doméstico para cozimento de alimentos NBR 8614
P-20 48,0 litros 20 kg Exclusivo em empilhadeiras a GLP NBR 14536
P-45 108,0 litros 45 kg Doméstico e industrial (cozimento de alimentos, aquecimento, fundição, soldas, etc) NBR 13794

Dentro do Botijão tem GLP, que significa Gás Liquefeito de Petróleo, que são os gases derivados do refino do petróleo. Existem dois gases dominantes dentro do botijão, o Propano e o Butano. Ambos são mais pesados que o ar. Como assim? O ar pesa 1,293Kg/m³, o Butano pesa 2,709Kg/m³ e o Propano pesa 2,010Kg/m³ todos nas condições normais de temperatura e pressão.

[ Observação importante: O gás natural ao contrário é mais leve que o ar, pesa entre 700 gramas e 1Kg /m³. Isso explica que vazamentos de gás canalizado sobem e ficam retidos no teto, precisam de ventilação na parte mais elevada de onde se encontram. O gás de butijão (GLP), ao contrário, é mais pesado que o ar e seu vazamento fica preso em porões e sub-solos.]

O Propano é mais leve que o Butano e provoca aquela chama azul característica, por isso ele sai antes do Butijão e queima primeiro. O Butano é mais pesado e queima por último. Por transportar partículas que se depositam no fundo no botijão, sua chama é amarelada ou “suja”. Por isso, quando a chama do fogão começa a ficar amarela é sinal de que o gás está acabando.

Desfazendo mitos: Botijão de GLP não explode!

Para dar bastante gás no Botijão, o GLP é engarrafado no Botijão sob forte pressão, o que faz com que o gás se torne líquido. Mas essa pressão não faz o Botijão explodir? Não, porque o Botijão é feito de chapas de aço muito resistentes que agüentam 15 kgf/cm2, enquanto o GLP é colocado na pressão de aproximadamente 8Kgf/cm² suficientes para liquefazer o gás mas muito abaixo do que suporta o Botijão.

No botijão de gás de 13kg (Botijão de cozinha), cerca de 85% do gás está em estado líquido e 15% em estado gasoso. Por isso nunca se deve deitar o botijão de gás, pois se o gás em fase líquida for expelido (o GLP líquido não pode alcançar a válvula no topo do Botijão) poderá provocar acidentes muito sérios.

No caso do Restaurante Filé Carioca, vimos pelas imagens os Botijões sendo retirados pelos bombeiros intactos. O prédio destruiu mas o Botijão permaneceu inteiro. Ou seja, ele não explode. Apenas se houver um incêndio que aqueça o Botijão, o calor do ambiente ou das chamas aquecerá o gás dentro do Botijão aumentando a sua pressão interna. Com isso a válvula de segurança (que impede o Botijão de explodir) irá liberar o gás no ambiente alimentando o incêndio. Semelhante a válvula da panela de pressão. Em suma, Botijão não explode nem em um incêndio.

Entendendo os Vazamentos:

O GLP não tem cheiro, por isso um composto a base de enxofre (etil-mercaptana) é adicionado ao gás para revelar a sua presença caso haja vazamento. O GLP não é venenoso, mas é asfixiante. Por ser mais pesado que o ar, quando há vazamento de GLP num local fechado este vai se acumulando ao nível do chão e expulsa gradualmente o oxigênio do ambiente, causando asfixia em quem permanecer ali. Logo, Botijão com vazamento precisa ser removido para um local aberto.

Mas é importante saber que cada Botijão tem uma capacidade de vaporizar gás no ambiente! Ou seja, supondo todas as torneiras abertas de um forno e do fogão, se este estiver ligado a um Botijão de 13Kg, teremos o vazamento de 600 gramas de gás por hora. O P45 somente consegue expelir (vazando, aberto ou alimentando um fogão) 1Kg de gás por hora.

Botijão

Quantidade de Gás

Capacidade de vaporização a 20°C

P-2

2 kg

0,2 kg de gás por hora

P-5

5 kg

0,4 kg de gás por hora

P-13

13 kg

0,6 kg de gás por hora

P-45

45 kg

1,0 kg de gás por hora

Se o Botijão sua ou congela é por que estamos tentando retirar dele mais do que ele consegue entregar de gás por hora. E quanto mais ele sua ou congela, menos ele entrega de gás. Pois o gás precisa trocar calor para sair do estado líquido para gasoso.

Demanda de 2 Botijões P13 para operar.
Demanda de 2 Botijões P13 para operar.

Em suma, muita gente por ignorância não dimensiona adequadamente o Botijão às necessidades dos aparelhos (fornos e fogões) que a ele estão conectados. Com isso, o resultado de queima é insatisfatório, e o desperdício de gás é alto, fazendo com que os usuários desavisados ou “espertos” comecem com as suas gambiarras, deitando o Botijão, aquecendo a parede do Botijão, etc. A ignorância pelo uso correto está no início do dominó do acidente com gás e suas mortes.

Como verificar e o que fazer em casos de vazamentos:

Ao passar uma esponja com água e sabão sobre a conexão da borboleta do registro com a válvula do Botijão, você poderá observar a existência ou não de bolhas de ar na espuma. Outra forma é verificando a existência de chiado de escapamento ou a presença de cheiro característico (enxofre) do gás no ambiente. Nunca use fósforo ou qualquer tipo de chama para verificar se há vazamentos. Isso pode provocar graves acidentes.

Em caso de vazamento de gás como proceder? Abra portas e janelas para aumentar a ventilação;
Não ligue nem desligue qualquer equipamento elétrico ou interruptores evitando faíscas ou centelhas;
No caso de persistir o vazamento desatarraxe a rosca do regulador, e solicite a presença da Assistência Técnica do fabricante do Botijão.

Persistindo o vazamento, após desatarraxar a rosca, se possível, retirar imediatamente o botijão para fora da casa, colocando-o em local arejado, longe de fontes de ignição e calor. Alerte as pessoas próximas sobre o perigo e chame urgentemente a Assistência Técnica ou o Corpo de Bombeiros.
 

Aprendendo a lidar com Botijão de GLP:

Jamais deitar o Botijão, jamais aquecer ou colocar fogo sob o Botijão, jamais transportar o Botijão deitado ou em ambientes fechados. Observe e siga as instruções corretas de instalação, e sempre teste com sabão eventuais vazamentos de gás. Ao terminar de cozinhar sempre feche a válvula do Botijão.

 

Válvula do P45 é seguro fechá-la quando não estiver em uso.
Válvula do P45 é seguro fechá-la quando não estiver em uso.

Mangueiras:
A mangueira a ser usada deve ser aquela normatizada, feita de plástico (PVC) transparente, com uma tarja amarela onde estão gravados o prazo de validade (5 anos) e o código NBR-8613, uma garantia de que foi fabricado segundo padrões técnicos de segurança. Esta mangueira é a recomendação básica, porém, outra de melhor qualidade também pode ser utilizada, como por exemplo a mangueira de tramas de aço.

O comprimento máximo da mangueira é de 1,25 metros, conforme determina a norma NBR-8613. A mangueira não pode encostar no fogão, não pode ser aquecida, não devendo portanto passar por trás do fogão.

RISCO: Mangueira colada a forno em restaurante
RISCO: Mangueira colada a forno em restaurante

Válvulas reguladoras de gás:
O regulador de gás é popularmente conhecido, principalmente, pelas donas de casa, como click,peça que se usa para abrir e fechar a passagem do gás de cozinha e que conecta a mangueira ao Botijão.

O gás liquefeito de petróleo (GLP) é colocado sob alta pressão no Botijão e considerando que o gás está sob alta pressão, o regulador é fundamental para reduzir a pressão da chama em até 250 vezes, possibilitando uma chama constante e uniforme.

O regulador de pressão para Botijões de até 13Kg é normatizado pela NBR 8614, já o P45 exige um regulador mais potente sendo normatizado pela NBR 13794. Portanto, jamais aproveite instalações antes usadas no P13 para o P45, este é um erro muito comum.

Regulador de pressão do P 13
Regulador de pressão do P 13