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Três anos do Acidente do vôo 3054 da TAM: Afinal o avião estava tão cheio que transportava gente em pé?

Em primeiro lugar, é fundamental destacar que o Brasil é signatário de Tratados internacionais onde assume a responsabilidade, de manter um órgão de investigação aeronáutica – o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes) – que tem o caráter de prevenir acidentes em detrimento de apontar culpados. A OACI (Organização da Aviação Civil Internacional, ICAO em inglês), que é um órgão pendurado nas Nações Unidas, há muitos anos, entendeu que apontar culpados impede que futuras investigações tenham um bom resultado ao dificultar a colaboração de todos envolvidos. E, portanto, não contribui com a prevenção de acidentes que é um bem maior à sociedade.

Dito isso, vamos tratar do Relatório Final do CENIPA, de número A-67 de 2009, publicado em 27/10/2009, que possui 122 páginas (contando anexos e capa), que aponta os fatores contribuintes para o acidente com o avião A320 da TAM, voo 3054 do dia 17 de julho de 2007, que colidiu com um depósito da TAM após não conseguir pousar na escorregadia pista de Congonhas.

1. Apesar de classificar como “fator contribuinte indeterminado”, pelas suas recomendações finais e o próprio texto, está implícito no relatório que houve falha dos pilotos com a posição das manetes para pouso com o reverso pinado (o reverso é usado na turbina, ao pousar, para alterar o fluxo do ar dentro da turbina, e assim desacelerar o avião). O reverso do motor de número 2 estava travado ou pinado havia 4 dias (desde 13 de julho).

2. O Relatório faz menção a uma falha da ANAC, à época tendo a Sra. Denise Abreu como diretora, pela “inadequação ou ausência de normas” – desde abril de 2006 – exigindo o reverso ativo para operações de pouso em Congonhas (uma pista curta). Este problema fora resolvido apenas em maio de 2008. O Relatório não menciona mas foi divulgado que o Aeroporto de Congonhas operava sob liminar da Justiça de São Paulo para pousar aviões sem o grooving (ranhuras para escoar a água e ampliar o atrito do asfalto) da pista, bem como sem reverso, e que parece ter documentos falsos entregues pela ANAC ou pela Infraero ao Juiz que havia dado a liminar. Fato seríssimo, porém, não tratado neste Relatório por não ser escopo do mesmo.

3. Outra questão importante é que o Relatório do CENIPA aponta que a utilização de dois comandantes no mesmo voo prejudica a “troca” adequada de informações entre os pilotos, pois haveria uma complacência entre eles, o chamado gerenciamento de recursos da cabine. Na escuta do CVR (caixa preta de voz) percebe-se que não houve briefing (discussão resumida da tarefa) do pouso em Congonhas, que é um procedimento padrão em todos os pousos. O Relatório também classifica como indeterminado a ansiedade dos pilotos como “pano de fundo” dos pousos em Congonhas. E que um dos comandantes (comandante de jatos menores), atuando como co-piloto (SIC) quase não tinha experiência de voo no A320 (237 horas).

4. O CENIPA também fez uma recomendação à EASA (European Air Safety Administration) para que esta verificasse junto a AirBus a instalação de um alarme para avisar aos pilotos sobre o uso correto das manetes – inclusive quando reverso estiver pinado – para o pouso. Um dos manetes supostamente estaria em CL quando deveria estar na posição IDLE.

5. Sobre a pista contaminada de Congonhas, o Relatório não coloca nem como fator contribuinte indeterminado, muito embora faça uma série de recomendações de obras na pista à Infraero, entre as quais exige uma área de escape, ainda que isto reduza seu comprimento. Esta recomendação data de 17 de setembro de 2007. A pista de Congonhas, segundo o documento aqui analisado, não está de acordo com o Anexo 14 da ICAO, em conformidade com o padrão RESA – Runway End Safety Área. É muito difícil para analistas de riscos aeronáuticos explicar ao seus pares do mercado de seguros aeronáuticos, que o nosso principal aeroporto (o mais usado) não tem esse padrão internacional apesar de sermos signatários desses Tratados. Obviamente que esse “Risco Brasil” recai sobre as taxas dos seguros de todas as aeronaves que aqui operam.

6. Um ponto relevante do Relatório, que gera uma certa confusão, trata do número de pessoas à bordo da aeronave. No item 1.2 Lesões Pessoais, mostra 6 tripulantes e 181 passageiros que faleceram dentro do avião. Ou seja, um total de 187 pessoas dentro da aeronave, não estou considerando as 12 vítimas que estavam fora da aeronave, no galpão da TAM.

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Em outro ponto, no item 1.6 Informações da Aeronave, aponta que o avião estava registrado e desenhado para transportar 11 tripulantes e 174 passageiros, ou seja, um total de 185 pessoas. Aqui considerando que os dois jump-seats (banquinho desmontável dentro da cabine dos pilotos), e todos os assentos de tripulantes estavam ocupados! Como grande parte dos passageiros (18) era de funcionários da própria TAM, parte destes – 5 pessoas – se sentaram nos 11 assentos de tripulantes.

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Se o avião estava completamente lotado com todos os seus 185 assentos, como as vítimas contabilizam 187 pessoas? Havia 2 pessoas em pé no avião? Além de ser contra normas aeronáuticas, RBH 121, denota indícios de excesso de peso. Será que o Relatório do CENIPA se enganou no número de vítimas no solo? Seriam 14 e não 12? Deixando a aeronave com seus 185 lugares preenchidos. Havia no CVR (caixa preta de voz) sinais de que na cabine viajam 4 tripulantes, 2 pilotos e 2 funcionários nos jump-seats?

Porque o peso é importante? Porque essa questão é relevante após 3 anos? Por que o comprimento da pista necessário para se pousar um avião depende de inúmeros fatores: vento e posição do vento, peso da aeronave, tipo da aeronave, reversos ativos ou não, qualidade do atrito da pista, altitude, se a pista está seca ou molhada, entre outros pontos.

Um A320 necessita – em média – 1.540 metros para frear. Congonhas possui 1.940 metros. Quando o avião não possui o reverso necessita outros 55 metros conforme manual da Airbus. Os outros 300 metros que restam aqui podem se perder em função do peso, vento e condições da pista. Isso é muito sério, pois eliminaria como hipótese principal, o simples erro dos pilotos nas manetes.

Qual foi o abastecimento em Porto Alegre, onde o ICMS do combustível é muito menor que em São Paulo? Calculando o combustível remanescente de voos anteriores, bem como o consumo até Congonhas, quanto sobraria no momento do pouso? Qual o peso de combustível, bagagem, carga e passageiros? Boas investigações são feitas com boas perguntas. Essas ainda não foram respondidas.

Ressalto aqui que o CENIPA é um órgão isento, sério, de reputação ilibada. Conheço bem seu trabalho sem o qual nosso índice de acidentes estaria elevado. E certamente este Relatório enfrentou muitas dificuldades, com pressões ou questionamentos do Governo, Ministério da Defesa, ANAC, Seguradora da TAM, Seguradora da Infraero (se há), Infraero, entre outros stakeholders. Mas, sempre tem um mas, o avião estava com gente em pé ???

Por Gustavo Cunha Mello

Prof. Gustavo Cunha Mello, Economista, com MBA em Gerenciamento de Riscos pela COPPE-UFRJ, Pós Graduação em Engenharia de Planejamento pela COPPE-UFRJ e Mestrado em Engenharia de Produção – Sistemas de Gestão pelo Latec-UFF. Gerente de Riscos, Corretor de Seguros, Perito Judicial e Investigador de Acidentes. Professor desde 2000 da Escola Nacional de Seguros – Funenseg – nos cursos técnicos e no MBA de seguros. Também é professor da UFF e do IBMEC nos MBAs de gerenciamento de riscos e gestão de projetos (PMBOK). Membro de Comitês na ABNT. Trabalha há 30 anos no setor de seguros e na consultoria de gerenciamento de riscos. Tendo concluído diversos cursos de seguros e análise de riscos no Brasil e no exterior através do AICPCU/IAA - American Institute for Chartered Property Casualty Underwriters and the Insurance Institute of America - Malvern - Pennsylvania, bem como cursos de Resseguros executados no Lloyds de Londres pelo CII – Chartered Insurance Institute. É articulista de diversas mídias especializadas em seguros e gerenciamento de riscos, bem como da Globonews e Bandnews na área de gerenciamento de riscos.

1 resposta em “Três anos do Acidente do vôo 3054 da TAM: Afinal o avião estava tão cheio que transportava gente em pé?”

Prezado Prof. Gustavo, gostei do seu texto. Acho que vc explorou bem algumas questões controversas do acidente, e que as pessoas pouco sabem.
O peso estava no limite sim. E tinha gente em pé, sim!
Na caixa preta que grava a conversa entre os pilotos, no momento da derrapagem, escuta-se um gripo feminino ao fundo, que estava na cabine de comando junto aos pilotos. Se essa mulher estava de pé, ou sentada no “jump seat” isso já não posso afirmar. Mas como você bem abordou, o número de pessoas era maior que o número de assentos disponíveis, incluindo os “jump seats”.
Outra coisa, importantíssima: O comandante do vôo, durante o percurso dovôo, prevendo o cenário complicado na chegada a São Paulo, solicitou ao controle operacional de solo da TAM (via frequência interna de rádio da empresa), o desvio do vôo para Guarulhos, pois em Congonhas estava chovendo, a aeronave estava com o peso elevado, com um motor pinado, e a pista de Congonhas era curta, oferecendo riscos excessivos ao pouso. Advinhe: O controle operacional negou o pleito do comandante! Mas qual o motivo disso?? Simples: A empresa iria ter muitas reclamações de passageiros, teria que fazer deslocamentos terrestres de Guarulhos para Congonhas, perderiam-se conexões, etc. Pura mesquinharia, coisa típica de empresinha que não liga para a segurança dos passageiros e tripulantes, mas que visa somente o lucro, lucro, e mais lucro. Para um coordenador de operações que está em solo é fácil negar algo dessa magnitude, e pensar “O comandante está sendo pago para pousar o avião, então ele que se vire!”.
A pista molhada é um fator contribuinte sim, mas não foi determinante. Outras inúmeras operações aconteceram entre a inspeção da pista (onde não foi acusada nenhuma lâmina dágua) e o pouso do fatídico vôo da TAM. Então, pista não foi problema, vento não foi problema, e chuva não foi problema.
Entendo que infelicidades acontecem, mas negligências não podem ocorrer!

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