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Verdades e Mitos sobre a polêmica da Greve do Aeronautas neste Natal.

O que faltou dizer no debate da Globonews, sobre a greve dos aeronautas (tripulantes: pilotos e comissárias) e aeroviários (pessoal do check-in, embarque, solo):

O link do debate é : http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2010/12/companhias-aereas-se-preparam-para-gerenciar-formacao-de-pilotos.html

1) Não é verdade que as companhias aéreas estão com prejuízos e têm dificuldades para suportar qualquer aumento além do IPCA. O crescimento no volume de passageiros é muito acima do planejado e se aproxima dos 20% em 2010, as aeronaves estão trabalhando com taxa de ocupação próxima a 75%, e o dólar que atinge o leasing de aeronaves caiu em 2010. Portanto, as companhias aéreas regulares não tem muito do que se queixar. E o que também se depreende dos balanços financeiros disponíveis de TAM e GOL.

A TAM apresentou como resultado do 3º trimestre (findo em setembro) de 2010 o lucro líquido de R$ 300 milhões. Enquanto em 2009 o lucro líquido foi de R$ 436 milhões para os 12 meses, recuperando-se do prejuízo de R$ 1,4 bilhão em 2008, quando a empresa errou no hedge do combustível. Já em 2007 houve um lucro líquido de R$ 258 milhões.

A GOL teve como resultado do 3º trimestre de 2010 um lucro líquido de R$ 110 milhões, enquanto em 2009 o lucro líquido foi de R$ 891 milhões. No ano de 2008, também sob influência da elevação do combustível, houve prejuízo líquido de R$ 1,2 bilhão. O exercício de 2007 foi positivo com lucro líquido após impostos de R$ 103 milhões. E todos os resultados anteriores de 2003 até 2006 também foram excelentes.

Vale lembrar ainda que 18% dos custos são com folha de pagto. Um aumento de 10%, por exemplo, impactaria em uma elevação de aproximadamente 2% nos custos totais. Com a margem atual dessas companhias próxima de 10%, isso seria tranquilamente absorvido pelas grandes.

Por outro lado, o SNEA representa todas as companhias aéreas. Não somente TAM e GOL. E, de fato, a grande maioria das pequenas atravessam dificuldades impostas pela concorrência desleal que enfrentam do duopólio estabelecido. Em 2009 TRIP, GOL e TAM apresentavam margem líquida positiva, ao passo que Webjet, Avianca e Azul deram prejuízo líquido. A Azul se entende por estar no início de suas operações. A Webjet se justifica pelo suporte e lucro que dá à CVC em seus pacotes turísticos onde o transporte aéreo é subsidiado. E a Avianca vive do apoio de sua matriz na Colômbia com uma grande operação na América Latina. Temos ainda as outras companhias regionais que sofrem bastante, sem recursos, sem financiamento e apoio do BNDES, sem apoio da ANAC para continuarem operantes.

Em suma, TAM e GOL tem facilidade para dar o reajuste de 15% solicitado pelos aeronautas. Apenas as pequenas empresas aéreas regionais não tem como elevar seus custos.

2) Também não é verdade que os salários dos tripulantes brasileiros, que trabalham aqui, sejam muito próximos aos salários dos brasileiros expatriados para companhias aéreas de outros países.

De uma maneira em geral, os salários podem chegar a até quatro vezes mais que os pagos no Brasil, dependendo do tipo de aeronave, isso em dólar (sujeito às variações da cotação). Além disso, outros benefícios costumam ser adicionados, como auxílio moradia, diárias, horas extras, passagens para o piloto e os familiares e bônus por ano de contrato. A média de salário e vantagens de um comandante de Boeing 737 na China fica em torno de U$$ 12 mil.

No Brasil, pilotos dizem que a média salarial para aqueles que fazem voos internacionais varia de R$ 17 mil a R$ 19 mil brutos, se os pilotos voarem dentro do limite da regulamentação do setor — 85 horas por mês ou 230 horas por trimestre. Esses pilotos também recebem um adicional por voar à noite. Para os que trabalham no mercado doméstico, o salário bruto alterna entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. Ou seja, o expatriado ganha 2,5 vezes mais.

A estrangeira Emirates, por exemplo, vai mais longe. Com 92 pilotos brasileiros no quadro de funcionários, oferece participação nos lucros, 42 dias de férias anuais, passagens com desconto em toda a malha da empresa, plano médico e dentário para a família de até três filhos, seguro de perda da carteira de saúde, e muitas outras facilidades. A filosofia da companhia é a de contratar co-pilotos que serão os futuros comandantes, após um período de experiência equivalente a três anos.

3) Sobre simuladores para tentarmos agilizar e baratear o treinamento e a licença dos pilotos no Brasil. É uma boa medida, e não prejudica a segurança de voo.

Mas a ANAC precisa trazer para a sua pauta as seguintes questões:

a) A ANAC deveria facilitar em conjunto com o Ministério Público do Trabalho o investimento das companhias aéreas menores, bem como as empresas de táxi-aéreo que venham a apoiar a formação dos pilotos. Pois atualmente o pequeno empresário investe no jovem piloto para em seguida perdê-lo para as grandes companhias.

b) A ANAC precisa fiscalizar mais a escala de pilotos. A Lei 7.183 é clara quanto aos períodos de descanso, sendo o objetivo da Lei dar segurança ao voo e ao consumidor brasileiro. Ao permitir pilotos esgotados com grandes jornadas, estamos reduzindo a atenção e capacidade de agir em emergências destes profissionais. Colocando assim a população em risco. A lógica econômica faz com que o piloto se interesse por voar no limite para receber maior remuneração, e a cia aérea acha mais fácil e barato trabalhar dessa forma nos momentos de alta temporada, para evitar o inchaço da folha de pagamento na baixa temporada.

c) A ANAC precisa expandir a sua excelente ideia de dar bolsas de estudo para pilotos, através dos aeroclubes e cursos já estabelecidos. Precisamos incentivar e fortalecer os aeroclubes.

d) A ANAC também pode transmitir às cias aéreas a responsabilidade de formação dos pilotos. Mas saiba que isso já ocorre na prática. Várias companhias aéreas treinam sua equipe, oferecem simuladores, curso de CRM, etc. Isso, por si só não resolve o problema de defasagem de mão de obra.

4) O SNA – Sindicato dos Aeronautas e Aeroviários deveria analisar melhor antes de ficar rejeitando e repudiando toda e qualquer mudança do Código Brasileiro da Aeronáutica. Pois no quesito de permissão do uso de pilotos estrangeiros em nosso mercado, o que se deveria reclamar é que apenas permitam o uso de pilotos de elevada e comprovada qualidade. Como assim? Pilotos que operem por mais de 3 anos em países de nível de segurança 1 na ICAO. Ou seja, Europa e América do Norte entre outras regiões. Assim sendo os baixos salários da África, e de outros países de terceiro mundo não vão contaminar o nosso mercado e padrão de qualidade na aviação.

Por outro lado, com mais pilotos operando será permitido às empresas cumprirem as folgas e descansos nas escalas dos pilotos. Será que os pilotos querem isso? Duvido!

Mas o fato importante, é que o governo e a ANAC não podem discutir salários, mas podem exigir um padrão de qualidade mínimo para a profissão dos pilotos, sempre em nome da segurança aérea. E assim, indiretamente estarão contribuindo para elevar os salários.

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O apagão da mão de obra no setor aéreo. Um novo caos aéreo se avizinha e evidencia mais esta falha na nossa infra-estrutura.

No início dos anos 1940, Joaquim Pedro Salgado Filho (Político gaúcho, Ministro da Aeronáutica de 1941 à 1945), responsável pela criação do Ministério da Aeronáutica em 20/01/1941, já àquela época fazia uma grande campanha para formar pilotos. Nos anos 1950, outros fizeram novas campanhas estimulando os aeroclubes. Em agosto de 2001, Fernando Henrique Cardoso extinguiu o Ministério transformando-o no Comando da Aeronáutica (COMAER), ficando subordinado ao Ministério da Defesa.

Nos últimos meses observamos GOL, WEBJET e TAM com problemas para atender a escala de trabalho de seus tripulantes. O que todos negam, mas é evidente que há uma defasagem entre a oferta e demanda de Comandantes.

Esse problema não é uma exclusividade do Brasil. A situação é tão dramática que a Organização Internacional de Aviação Civil (ICAO), entidade ligada às Nações Unidas, está reduzindo as exigências de horas de vôo necessárias para a emissão da habilitação de pilotos para dar conta da demanda. A maior procura por profissionais está na Ásia, sobretudo China, Índia e países do Oriente Médio. O que esses mercados fizeram para atrair profissionais? Elevaram salários e benefícios, fato que atraiu tripulantes de diversos países para diversas companhias, entre as quais: Air China, Emirates, JAL, Korean Air. De acordo com o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), o número de brasileiros voando no exterior passa de 450.

Formar um novo piloto não é uma tarefa simples, e tampouco barata.

QUANTO CUSTA PARA SER UM PILOTO? (valor aproximado, pois varia de um local para outro)


Piloto Privado de avião

Curso teórico

R$ 1.300,00

Livros e computador de voo

R$ 250,00

Prova da ANAC (5 matérias – R$ 50,00 cada)

R$ 250,00

Exame médico

R$ 361,00

Ground School

R$ 80,00

35 horas de voo para checar (hora avulsa R$ 300,00)

R$ 10.500,00

Cheque (documentação)

R$ 400,00

Voo de cheque (uma hora e meia de voo)

R$ 350,00

VALOR DO INVESTIMENTO TOTAL PARA O CURSO DE PILOTO PRIVADO

R$ 13.491,00

Piloto Comercial de avião

Curso teórico

R$ 1.800,00

Livros e computador de voo

R$ 250,00

Prova da ANAC (5 matérias – R$ 50,00 cada)

R$ 250,00

Exame médico

R$ 361,00

Ground School

R$ 80,00

115 horas de voo para checar (hora avulsa R$ 350,00)

R$ 40.250,00

Cheque (documentação)

R$ 400,00

Voo de cheque (uma hora e meia de voo)

R$ 450,00

VALOR DO INVESTIMENTO TOTAL PARA O CURSO DE PILOTO COMERCIAL

R$ 43.841,00

 

Para ajudar o mercado a solucionar o problema, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil – a partir de 2009 contribuiu com o Programa de Desenvolvimento da Aviação Civil, do Ministério da Defesa, que neste ano ofereceu em média 240 bolsas de estudos por ano. O programa paga 75% do valor das aulas práticas, com um investimento de até R$ 3 milhões. Os aeroclubes para participar tiveram que fechar convênio com a agência. Já é uma ajuda interessante, e um movimento do governo para colaborar na solução do problema. No entanto, há uma restrição significativa neste apoio: os estudantes interessados precisam ter entre 18 anos e 35 anos e pelo menos 25% das horas de voo concluídas, além da aprovação no curso teórico. A restrição que vejo aqui, é que para se ter 25% das horas de voo é um investimento significativo para candidatos a piloto, de valor superior a R$ 10 mil.

No Brasil, a cada ano formam-se cerca de 150 pilotos com carteira de piloto comercial. Esse profissional entra em uma companhia aérea como co-piloto para ganhar experiência e, depois de 6 a 7 anos, pode ser promovido a piloto. Para se formar um piloto internacional, são mais 10 a 15 anos de experiência.

Pressionadas pela demanda, algumas companhias aéreas passaram a requerer apenas 250 horas de vôo para um piloto recém-contratado, contra 1500 exigidas antes. Em 2008, a Gol precisou conceder um aumento de 44% na hora variável de um comandante para estancar a perda de profissionais. A empresa chegou a perder 12 comandantes.

Segundo dados divulgados pela ANAC, em 2009, o Brasil passou a contar com mais 2600 novos pilotos em 2009. A maior parte deles, 1200 é de pilotos privados de avião. Apenas 105 tiraram licença para pilotos comerciais e 41 de linha aérea.

No Brasil temos 60 mil pilotos. Segundo dados de outubro de 2009, são 5,3 mil pilotos de linhas aéreas. Só na TAM temos atualmente 2207 pilotos e co-pilotos. Há ainda 6,1 mil pilotos comerciais, que podem trabalhar em táxi aéreo ou como piloto particular, por exemplo.

As empresas aéreas precisam atender as exigências legais da Lei do Aeronauta (Lei 7.183 de 1984) e da Convenção Coletiva do Trabalho 2009/2011, celebrada em 17/12/2009, as quais preveem descansos, folgas, revezamentos, etc. Das quais depreende-se que para uma tripulação simples há uma escala de 10 horas de trabalho para 20 horas de descanso, e para uma tripulação composta há uma escala de 13 horas de trabalho para 17 horas de descanso.

Atualmente, no Brasil, a média de voo das aeronaves é de 12,6 horas (12 horas e 36 minutos) por dia. Se o primeiro voo se dá às 6:00hs, o piloto estará liberado às 18hs e somente voltará ao trabalho às 11hs da manhã do dia seguinte.

Portanto, é importante a empresa possuir 6 pares de pilotos para atender aos voos domésticos. Ou seja, para 148 aeronaves a TAM precisa de 1776 pilotos (metade destes comandantes) operacionais e ativos. A GOL, com 121 aeronaves, sendo 112 operacionais, precisa de 1344 pilotos e co-pilotos. Isto sem contar os voos internacionais!

Em 2010, os custos com pessoal apresentaram um aumento de 12,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, principalmente devido ao dissídio salarial de 6% aprovado em dezembro de 2009, e aumento no quadro de colaboradores. O crescimento no quadro de pilotos e co-pilotos foi de 6,0% para fazer frente a contínua expansão da demanda no setor (crescimento de 23,3% na malha aérea total). Mesmo com mais contratações, houve aumento de 4,5% nas horas voadas, que por consequência, acarretam em aumento na remuneração-hora pagas aos tripulantes.

O Sindicato Nacional dos Aeronautas está negociando um reajuste salarial de 15% além de elevação de 30% no piso salarial. O sindicato patronal quer aplicar um reajuste pelo INPC em 1º de dezembro e a alterar a data base para 1º/04/2011.

Além disso, o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias – SNEA apoia o PL 6.716/2009, que propõe mudanças no artigo 158 do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). Entre as alterações estão a ampliação da participação do capital estrangeiro nas empresas aéreas e contratação de tripulantes estrangeiros por até cinco anos — hoje, a lei permite contrata-los por no máximo seis meses. A proposta foi aprovada em junho em uma comissão especial da Câmara dos Deputados e aguarda votação em plenário. Depois, deve ir para o Senado.

Em suma, o dissídio que sempre foi no dia 1/12 está num impasse com grande chance de caminhar para o caos aéreo no final do ano.

Há grandes riscos em todo esse cenário:

1) A contratação de pilotos estrangeiros, com os nossos níveis salariais, apenas nos permitirão contratar de países africanos, com categoria de segurança ICAO abaixo dos níveis 1 e 2. Ou seja, um piloto menos acostumado a elevados padrões de segurança de voo.

2) O descaso de anos sem investimento em treinamento e formação de pilotos, fez com que tenhamos agora um apagão de mão de obra. Assim sendo poderemos ter estrangulamentos no crescimento do setor nos próximos anos. As bolsas da ANAC somente terão efeito, no mínimo daqui a 5 ou 6 anos, quando co-pilotos podem se tornar comandantes.

3) A jornada de trabalho exaustiva dos pilotos pode influenciar no aumento de erros destes e consequentemente na ocorrência de acidentes.