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Catástrofes naturais Chuvas e Alagamentos

Tragédia de deslizamentos e inundações no Rio de Janeiro se repete

Mais um verão, dessa vez estamos em 12 de janeiro de 2011, e novamente observamos muitas vítimas de deslizamentos e desabamentos.

Quais os motivos desses repetidos deslizamentos de terra e desabamentos que se repetem a cada verão?

Um misto de fenômeno climático (até com influência do aquecimento global) extraordinário, ocupação desordenada e falta de planejamento urbano, lixo em encostas e rios, falta de limpeza de galerias e bueiros, desmatamento, etc.

Qual a característica da ocupação desordenada?

  • Construir em baixadas ou margens de rios (locais já suscetíveis à inundação)
  • Desmatamento de encostas tornando-as áreas de risco
  • Excesso de construções com a elevação do peso sobre as encostas.
  • Construções em solos arenosos, de estrutura porosa. Por exemplo, o solo de massapé (saibro), comum no Nordeste brasileiro, é outro que está sujeito à acomodação. Rico em material orgânico, é um solo bastante fértil e apropriado para o cultivo agrícola, mas arriscado para a construção civil. O massapé sofre com as alterações do clima: comprime-se no período de seca e se expande com a umidade da época de chuvas. Essa qualidade de “solo ativo” resulta em rachaduras, inclinação das casas e até desabamento, ocorrências frequentes, por exemplo, nas cidades de Salvador, Recife e Olinda.
  • Construções em encostas de rocha com uma fina camada de cobertura vegetal.

Quais as soluções que podem ser tomadas para mitigar os danos observados em mais esta catástrofe?

Há soluções paliativas que passam por: ampliar galerias pluviais, efetuar periodicamente a limpeza de bueiros e galerias, aumentar a cobertura vegetal e o tratamento do lixo.  Isso ajudaria inúmeras áreas nas regiões afetadas na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, bem como em São Paulo, no entanto, em muitas outras áreas não evitaria a catástrofe diante do tamanho da tromba d´água que atingiu o local.

Mas há soluções gerenciais que reduzem o impacto em termos de vítimas fatais. E passam por uma melhor integração da Defesa Civil e um mais eficiente Plano de Contingência.

Porque precisamos de um Plano de Contingência ? Porque cada minuto faz diferença para se resgatar alguém ainda com vida!

1)     Quando há uma emergência, falta luz, não há telefone funcionando, pode haver vazamento de gás com risco de explosões, etc. Como acionar os bombeiros ou defesa civil? É uma utopia imaginar que isso se dá com agilidade.

2)     Ao se acionar a Defesa Civil, geralmente já ocorreu um acidente e pessoas estão entre a vida e a morte. O transporte e acesso fica prejudicado até a área de risco.

3)     Numa catástrofe dessas é comum haver inúmeros chamados ao mesmo tempo! Quais recursos serão usados? Qual será a velocidade de atendimento? Para onde levar as vítimas?

4)     Os recursos (equipamentos, efetivo de mão de obra, geradores de energia, leitos hospitalares, transporte, etc.) são escassos e demoram para serem mobilizados. Há que se pensar que muitas vezes as estradas e vias podem estar obstruídas impedindo acesso ao local do evento. Friburgo, por exemplo, tem 5 viaturas operacionais, Vassouras tem 2 viaturas operacionais, Carmo tem 3 viaturas, etc. Como colocá-las disponíveis a um Município que às necessita em um curto espaço de tempo?

5) É comum, por exemplo, que hospitais públicos não possuam neurologista, ortopedista, etc. disponíveis em todas as madrugadas. Para qual hospital levar um grande número de vítimas? Como acionar e disponibilizar os médicos e recursos necessários para se atender trauma em uma emergência.

Apontando falhas:

1) Você sabia que a Defesa Civil pode montar uma célula local – chamada de Núcleo de Defesa Civil – NUDEC – específico para a sua comunidade? Sim, com treinamento das pessoas que moram em áreas de risco e tenham interesse em se envolver para dar os primeiros socorros e medidas quando ocorrer uma emergência. Isso não custa nada para o governo! É simples de se fazer e muito efetivo.

2) É um erro a Defesa Civil trabalhar apenas com frequências para direcionar seus investimentos. Por exemplo: saídas de ambulâncias para trabalhos de parto, acidentes de veículos, retiradas de animais, etc. é muito superior aos desabamentos, deslizamentos, e suas respectivas ameaças. No entanto, a consequência destes últimos é relevante (alta severidade) e eles deveriam considerar isso nas decisões de investimentos e alocação de recursos.

 

Chuvas em Itaipava

Fonte: G1 – foto de Itaipava

A Legislação poderia ser melhorada. A legislação atual indica a reatividade e passividade do poder público nessa questão.

Até a Lei (estadual do Rio) Nº 250 de 1979 que trata  do Corpo de Bombeiros Estadual e determina suas funções, em seu texto, menciona 6 competências:

“Art. 2º – Compete ao Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro:

  1. realizar serviços de prevenção e extinção de incêndios;
  2. realizar serviços de busca e salvamento;
  3. realizar perícias de incêndio;
  4. prestar socorros nos casos de inundações, desabamentos ou catástrofes, sempre que haja ameaça de destruição de haveres, vítima ou pessoa em iminente perigo de vida;
  5. estudar, analisar, planejar, exigir e fiscalizar todo o serviço de segurança contra incêndio do Estado;
  6. em caso de mobilização do Exército, com ele cooperar no serviço de Defesa Civil.”

Repare que a lei não fala em prevenção de desabamentos e catástrofes! Apenas há prevenção para incêndio. Para desabamentos e catástrofes devem apenas prestar socorros.

Poderiam ainda as Câmaras de Vereadores criar uma legislação que obrigue seus prefeitos à limpeza de bueiros e galerias pluviais em uma determinada periodicidade – no mínimo uma vez ao ano – que julgarem conveniente conforme a região.

O Governo Federal e o Congresso Nacional precisam tratar da desocupação compulsória das encostas. Precisam legislar para permitir à Defesa Civil retirar – ainda que com poder de polícia – as pessoas que se recusam a sair de áreas de risco. Normalmente essas áreas onde houve desabamento não podem voltar a receber moradias ! Atualmente ainda há moradores no Morro do Bumba em Niterói, vivendo sobre um lixão !

Obviamente a remoção compulsória passa pela solução paliativa ou não para essas famílias. Policiamento para evitar saques de suas posses, aluguel social, alimentação, etc.

Mas há ainda a necessidade de se determinar que o “Habite-se” (licença para habitação dada pelo Corpo de Bombeiros) passe também por uma análise de solo. A autorização da construção na Prefeitura também deve passar pela análise do solo! Apenas grande municípios verificam o projeto quanto ao solo, proximidade de rios, etc. E ainda assim não fiscalizam a qualidade do material e o cumprimento fiel do projeto.  Já as construções irregulares e desordenadas em áreas de risco, normalmente em comunidades  carentes, necessitam de fiscalização e remoção quando do início da ocupação.

Toda essa legislação pode e deve ser melhorada em todas as esferas do poder público. Para não chorarmos e lamentármos o enorme sofrimento que se abate sobre toda a população afetada com as chuvas. Para não contarmos mais vítimas !

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Incêndios

Incêndio em nightclub, um caso para ser estudado.

Show da banda Great White tornou-se o 4º incêndio mais mortal dos EUA em casas noturnas.
Na quinta-feira, dia 20 de fevereiro de 2003, houve um show da banda de rock Great White – que fez sucesso na década de 90 com os hits “Call it rock and roll”, “Once bitten twice shy” e “Desert Moon” – numa danceteria chamada de The Station que se localizava no 211 da Cowesett Ave., na cidade de West Warwick, no estado de Rhode Island, Estados Unidos. Seria apenas mais um show de uma banda já em declínio que estava no ostracismo, no entanto, o show ficou extremamente famoso e por cinco anos permaneceu na mídia. Pois foi palco do quarto mais mortal incêndio em nightclubs dos EUA, matando 100 pessoas – 4 das quais chegaram ao hospital ainda com vida – e ferindo outras 230. Apenas 132 pessoas escaparam ilesas.

O show começaria às 23 horas, mas iniciou com um pequeno atraso quando o Great White às 23:05 hs tocou a sua música de abertura “Desert Moon”.  Na abertura utilizavam fogos de artifício nas laterais do palco, que foram instalados e acesos pelo “manager” da banda Daniel Biechele, na época com 29 anos de idade.

O incêndio ocorreu quando as chamas dos fogos de artifício alcançaram o isolamento acústico do teto (contendo poliuretano) e das paredes ao redor do palco, em apenas  5½ minutos todo o local foi envolvido em chamas. O local com aproximadamente 480m² estava lotado com 462 pessoas, quase 1 pessoa por m². Não havia sprinklers (chuveiros de incêndio) que retardassem a propagação, as 4 saídas não foram suficientes para evacuar todo o público em pânico que ficou entalado nas suas portas estreitas.

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O mais incrível neste caso foi que todo o incêndio e o desespero das vítimas foi filmado pelo câmera Brian Butler, que juntamente com o repórter investigativo Jeffrey Derderian fazia uma matéria sobre segurança em prédios públicos para a WPRI-TV, subsidiária da rede de TV LIN. No entanto, Jeffrey Derderian também era sócio do The Station, caracterizando no mínimo conflito de interesse, para sua matéria “investigativa”.  

 

As indenizações às vítimas levaram mais de 5 anos sendo discutidas nos tribunais, algumas ainda são discutidas até hoje. Mais de 300 ações judiciais foram impetradas contra inúmeras partes interessadas e responsáveis. Até o final de 2008 o montante a ser repartido pelas vítimas alcançava US$ 175 milhões.

A televisão WPRI-TV teve que participar com US$ 30 milhões pela participação do câmera na obstrução da passagem das vítimas e por este não colaborar para salvá-las. A distribuidora de bebidas McLaughlin & Moran contribuiu com US$ 16 milhões. A fabricante da Budweiser, a Anheuser-Busch’s que posteriormente seria adquirida pela brasileira AMBEV, somou outros US$ 5 milhões. A McLaughlin & Moran  e a Anheuser-Busch’s foram punidas pelo patrocínio do evento. A fabricante de caixas de som utilizadas no nightclub The Station, a JBL Speakers, foi obrigada a somar outros US$ 815 mil às indenizações pelo material altamente combustível que colaborou na propagação do fogo. A varejista Home-Depot que vendeu o sistema de isolamento térmico também combustível, bem como a Polar Industries, fabricante do isolamento térmico do ar condicionado, também tiveram que pagar outros US$ 5 milhões. O fabricante Sealed Air Corp., responsável pelo isolamento acústico da boite, pagou US$ 25 milhões. A banda de rock Great White pagou US$ 1 milhão para as indenizações. A boite The Station, de propriedade de Jeffrey and Michael Derderian, pagou US$ 813 mil. O Estado de Rhode Island e a cidade de West Warwick foram obrigados a pagar outros US$ 10 milhões pela negligência na fiscalização e por não impedir o funcionamento de uma boite com tantos riscos ao público. Houve ainda a rádio 94 WHJY FM que por divulgar o evento teve que pagar US$ 22 milhões. E a lista de empresas  envolvidas não se esgota aqui. A grande maioria desses acordos foi suportado por apólices de seguros de cada uma das empresas. O Great White tinha um seguro de Resp. Civil Eventos que limitou sua contribuição a US$ 1 milhão, valor aceito pelo juiz.

Esse evento mostra o modelo americano de ver as responsabilidades e punir por um acidente. Embora em diferentes graus, este modelo está multiplicando em diversos países. Ou seja, qualquer que seja a participação, direta ou indireta no acidente, ela provoca a responsabilidade maior ou menor em contribuir na reparação às vítimas. Patrocínio, divulgação, venda de material e equipamentos, etc. Ainda que o cliente não tenha instalado adequadamente o material em questão, isso não isenta o fabricante da sua parcela de culpa. Em outras palavras o produtor é responsável pela instalação e uso adequado de seu produto.

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Além da reparação nos processos civis, houve a responsabilidade penal. Os donos da casa noturna: Jeffrey and Michael Derderian, bem como o manager da banda que acendeu os fogos, Daniel Biechele, foram punidos a penas superiores a 10 anos de cadeia. Mas saíram da cadeia, mudando o regime da pena após 3 anos, por bom comportamento.

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O acidente serve de base para o conhecimento de como evitar outras tragédias similares:

1)      Portas de emergência precisam ser amplas, de fácil abertura e acesso. O local precisa possuir uma quantidade de portas suficientes para escoar a sua lotação de pessoas em menos de 3 minutos.

2)      O estabelecimento precisa possuir defesas e equipamentos que retardem a propagação do incêndio. Tintas intumescentes, chuveiros automáticos (sprinklers), extintores, etc.

3)      Deve-se praticar o gerenciamento de riscos para avaliar a operação no local, como mensurar o risco do uso de fogos de artifício no interior do estabelecimento. Estabelecendo-se previamente as regras de segurança do local.

4)      Os danos a terceiros podem envolver muito mais do que apenas o proprietário do local do acidente.

5)      O material combustível usado em forros e isolamento acústico e térmico propagam o incêndio com uma velocidade mortal, em questão de minutos todo o prédio fica tomado pelas chamas com elevado poder calorífico.

 Abaixo um vídeo de simulação do escape das vítimas, considerando o calor produzido pelas chamas e a visibilidade após a fumaça tomar conta.

 

 

Onde foram encontrados os corpos das vítimas Onde foram encontrados os corpos das vítimas

Simuladores mostram, no vídeo abaixo, como o uso de sprinklers no prédio poderia retardar a propagação e permitir o salvamento de muitas pessoas.