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O Incêndio na Petrogold – Duque de Caxias (RJ)

No dia 23 de maio, uma quinta-feira, um incêndio de grandes proporções iniciou por volta das 10:15h, segundo relatos de testemunhas ouvidas pelo site G1, já outras matérias dão conta que os bombeiros foram acionados às 10:55h. O incêndio durou 24 horas para ser apagado.  A temperatura passou de mil graus no incêndio e o calor que irradiou para a vizinhança da planta industrial chegou a aproximadamente 600 graus. Uma área de aproximadamente quatro quarteirões ao redor do depósito foi isolada, de acordo com a Defesa Civil.

Fonte: G1

Moradores do entorno foram obrigados a deixar suas casas, ao total 114 casas foram interditadas, destas 13 foram atingidas pelas chamas. Há ainda uma escola em frente à empresa distribuidora, que também foi esvaziada.

Os vizinhos reclamam da atividade com combustíveis naquele endereço desde 1995, quando ocorreu uma explosão. No entanto, não é possível informar se a empresa Petrogold já atuava ali. Pois a licença da ANP tem seu primeiro registro em 2006, e o site da empresa informa início das atividades em 1999. Ou seja, é possível que houvesse outra distribuidora no mesmo local.

A Petrogold iniciou atividades em 1999, no Estado de São Paulo. Em 2010 mudou sua sede administrativa para a Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. A Petrogold  informa operar em 3 Estados: Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás.  Segundo o site da empresa, eles operam na distribuição de gasolina e etanol, através de diversas bases com capacidade de armazenamento de milhões de m³ de combustível  (Porém, na ANP só há registro de 2.048 m³). O site da Petrogold, atualizado até 2010, informa possuir uma frota com dezenas de caminhões próprios, todos personalizados com sua marca.  O site da Petrogold ainda conta: “Nossos tanques de armazenamento possuem um tratamento fino e assistido constantemente por nossos engenheiros. Não adianta nada termos um ótimo produto final de ótima qualidade sendo que o armazenamento e os caminhões não estejam em perfeitas condições de uso.”   

A empresa estava autorizada a operar com combustíveis pala ANP, conforme segue:

“AUTORIZAÇÃO ANP Nº 179, DE 6.4.2009 – DOU 7.4.2009

O SUPERINTENDENTE DE ABASTECIMENTO da AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP, no uso das atribuições que foram conferidas pela Portaria ANP nº 92, de 26 de maio de 2004 e considerando as disposições da Portaria ANP nº 29, de 9 de fevereiro de 1999, e o que consta do Processo nº 48610.011012/2000-16, torna público o seguinte ato:

Art. 1º Fica a PETROGOLD DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO LTDA., CNPJ nº 02.909.866/0001-45, registrada na ANP como distribuidora de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível, biodiesel, mistura óleo diesel/biodiesel sob o número nº 3024, autorizada a operar as instalações localizadas na Rua Emílio Gomes, nº 1070, Quadra 42 – Vila Maria Helena, Campos Elysios – Município de Duque de Caxias – RJ.

A Base de Distribuição em tela, com capacidade de 2.048m³, cuja autorização para operação está sendo solicitada, é constituída pelos tanques verticais apresentados na tabela abaixo.

 

Tanque nº Diâmetro (m) Altura (m) Volume (m³) Produto
01 9,32 7,45 508 GASOLINA
02 9,32 7,45 508 GASOLINA
03 7,64 7,50 344 AEAC
04 7,64 7,50 344 AEHC
05 7,64 7,50 344 DÍESEL

 Art. 2º O objeto da presente Autorização deve ser executado em conformidade com as normas técnicas pertinentes.

Art. 3º Fica revogada a Autorização ANP nº 76, de 31 de março de 2006, publicada no DOU de 3 de abril de 2006.

Art. 4º Esta Autorização entra em vigor na data de sua publicação.

EDSON MENEZES DA SILVA”

Sendo que a primeira autorização da ANP foi concedida em 2006, sob o Nº 76, de 31 de março de 2006, publicada no DOU em 3 de abril de 2006, assinada por ROBERTO FURIAN ARDENGHY.

EMBORA A AUTORIZAÇÃO DA ANS SEJA PARA 5 TANQUES, NAS IMAGENS NOTAMOS 6 TANQUES. NO SITE DA ANS NÃO ENCONTREI QUALQUER EVENTUAL ADITIVO. NO ENTANTO, NOTÍCIAS DÃO CONTA DE QUE ERA UM TANQUE DE ÁGUA.

 

Fonte: G1

Já na esfera estadual, no que diz respeito à licença ambiental, uma “guerra jurídica” travada na 11ª Vara da Fazenda Pública, que começou em outubro de 2010, ajudou a manter o depósito de combustíveis e lubrificantes da distribuidora Petrogold, em Duque de Caxias, funcionando até a data do acidente, quando o local pegou fogo e explodiu. Na época, a empresa entrou com um pedido de liminar contra o ato administrativo do governo do Rio de Janeiro que cancelava a inscrição estadual da distribuidora.

Em julho de 2012, o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) chegou a auxiliar a Polícia Federal em um inquérito que apurava denúncias de vazamento e armazenamento ilegal de combustível, poluição e contaminação do lençol freático.  A Petrogold foi multada pelo órgão em R$ 210 milhões, mas ainda assim a licença de funcionamento permanecia sendo discutida na justiça.

 

Sobre licenças:

Em todos os acidentes de grandes proporções notamos as diferentes esferas de governo confundirem os repórteres sobre de quem é a responsabilidade pela fiscalização e licença. Neste caso temos: A ANP (agência federal) é responsável por analisar a qualidade do combustível e capacidade de armazenamento e transporte.  O Corpo de Bombeiros (esfera estadual) é responsável por analisar a segurança e proteção contra incêndio. A Prefeitura é responsável por definir se a atividade da empresa é pertinente e possível em sua localização, dado o zoneamento urbano, e também usando o laudo dos bombeiros dá ou não o alvará de funcionamento. O INEA (âmbito estadual) analisa se a atividade e instalação traz riscos ao meio ambiente e também afeta a inscrição estadual (licença) da empresa. Em suma, uma empresa tem alvará, inscrição estadual, e registros federais dependendo da atividade. Todos podem e devem impedir atividades que tragam riscos à sociedade, mas os Bombeiros, o INEA e a Prefeitura é que deveriam fiscalizar a Petrogold. Por outro lado, há a dificuldade de fiscalizar devido ao mal aparelhamento do Estado, bem como quando a fiscalização multa ou caça licenças, eventualmente inicia-se uma guerra judicial onde através de liminares tornam inócua a ação do poder público.

O que deu errado? O que pode ter causado este acidente?

É difícil, neste momento, sem a investigação e o trabalho dos peritos, definir o que aconteceu. Mas é bastante razoável considerarmos a hipótese de que no abastecimento do caminhão de combustível o funcionário tenha esquecido ou falhado ao aterrar o caminhão (normalmente colocando correntes ou malhas metálicas ligadas ao caminhão em contato com o solo). Assim descarregaria a eletricidade estática (do atrito do metal com o ar) acumulada no caminhão. Se isso não foi feito, pode ter havido uma centelha que daria ignição ao combustível gerando todo o incêndio, iniciando no caminhão e através dos dutos chegado até a estação dos tanques.

Fonte: G1

Como é feito o combate de incêndio?

O combate de incêndio em reservatórios ou vasos de pressão não é feita diretamente no foco do incêndio, mas resfriando todo o perímetro do foco, buscando evitar a sua propagação. Isso é feito até que o combustível seja totalmente queimado no reservatório foco do evento.

Por outro lado, se houver a espuma especial para o combate de incêndios com hidrocarbonetos, o trabalho pode ser feito atacando diretamente o foco do incêndio nos tanques em chamas, agindo de forma mais rápida. A espuma tem diferentes tipos, um exemplo é o LGE – Líquido Gerador de Espuma – Expandol , ideal para combate a incêndios de classe A e B,  de pequeno ou grande porte. Ressaltando-se que ainda existem diversos outros tipos de LGE para diferentes aplicações. Mas para isso dependemos do canhão esguicho e do produto sintético a ser misturado.

 

Qual o resultado do incêndio e os riscos envolvidos?

Além obviamente do incêndio em si e do que foi destruído pelas chamas, temos os danos da fumaça e dos gases produzidos que são muito tóxicos. Dependendo do vento podem atingir regiões distantes. Num raio de 1 Km do incêndio teremos todos os materiais, móveis, roupas, alimentos prejudicados e impregnados com o cheiro da queima.  Em até 3 Km do incêndio, dependendo do vento, é claro, temos o depósito de fuligem produto da queima dos hidrocarbonetos altamente tóxica.

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Incêndio em nightclub, um caso para ser estudado.

Show da banda Great White tornou-se o 4º incêndio mais mortal dos EUA em casas noturnas.
Na quinta-feira, dia 20 de fevereiro de 2003, houve um show da banda de rock Great White – que fez sucesso na década de 90 com os hits “Call it rock and roll”, “Once bitten twice shy” e “Desert Moon” – numa danceteria chamada de The Station que se localizava no 211 da Cowesett Ave., na cidade de West Warwick, no estado de Rhode Island, Estados Unidos. Seria apenas mais um show de uma banda já em declínio que estava no ostracismo, no entanto, o show ficou extremamente famoso e por cinco anos permaneceu na mídia. Pois foi palco do quarto mais mortal incêndio em nightclubs dos EUA, matando 100 pessoas – 4 das quais chegaram ao hospital ainda com vida – e ferindo outras 230. Apenas 132 pessoas escaparam ilesas.

O show começaria às 23 horas, mas iniciou com um pequeno atraso quando o Great White às 23:05 hs tocou a sua música de abertura “Desert Moon”.  Na abertura utilizavam fogos de artifício nas laterais do palco, que foram instalados e acesos pelo “manager” da banda Daniel Biechele, na época com 29 anos de idade.

O incêndio ocorreu quando as chamas dos fogos de artifício alcançaram o isolamento acústico do teto (contendo poliuretano) e das paredes ao redor do palco, em apenas  5½ minutos todo o local foi envolvido em chamas. O local com aproximadamente 480m² estava lotado com 462 pessoas, quase 1 pessoa por m². Não havia sprinklers (chuveiros de incêndio) que retardassem a propagação, as 4 saídas não foram suficientes para evacuar todo o público em pânico que ficou entalado nas suas portas estreitas.

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O mais incrível neste caso foi que todo o incêndio e o desespero das vítimas foi filmado pelo câmera Brian Butler, que juntamente com o repórter investigativo Jeffrey Derderian fazia uma matéria sobre segurança em prédios públicos para a WPRI-TV, subsidiária da rede de TV LIN. No entanto, Jeffrey Derderian também era sócio do The Station, caracterizando no mínimo conflito de interesse, para sua matéria “investigativa”.  

 

As indenizações às vítimas levaram mais de 5 anos sendo discutidas nos tribunais, algumas ainda são discutidas até hoje. Mais de 300 ações judiciais foram impetradas contra inúmeras partes interessadas e responsáveis. Até o final de 2008 o montante a ser repartido pelas vítimas alcançava US$ 175 milhões.

A televisão WPRI-TV teve que participar com US$ 30 milhões pela participação do câmera na obstrução da passagem das vítimas e por este não colaborar para salvá-las. A distribuidora de bebidas McLaughlin & Moran contribuiu com US$ 16 milhões. A fabricante da Budweiser, a Anheuser-Busch’s que posteriormente seria adquirida pela brasileira AMBEV, somou outros US$ 5 milhões. A McLaughlin & Moran  e a Anheuser-Busch’s foram punidas pelo patrocínio do evento. A fabricante de caixas de som utilizadas no nightclub The Station, a JBL Speakers, foi obrigada a somar outros US$ 815 mil às indenizações pelo material altamente combustível que colaborou na propagação do fogo. A varejista Home-Depot que vendeu o sistema de isolamento térmico também combustível, bem como a Polar Industries, fabricante do isolamento térmico do ar condicionado, também tiveram que pagar outros US$ 5 milhões. O fabricante Sealed Air Corp., responsável pelo isolamento acústico da boite, pagou US$ 25 milhões. A banda de rock Great White pagou US$ 1 milhão para as indenizações. A boite The Station, de propriedade de Jeffrey and Michael Derderian, pagou US$ 813 mil. O Estado de Rhode Island e a cidade de West Warwick foram obrigados a pagar outros US$ 10 milhões pela negligência na fiscalização e por não impedir o funcionamento de uma boite com tantos riscos ao público. Houve ainda a rádio 94 WHJY FM que por divulgar o evento teve que pagar US$ 22 milhões. E a lista de empresas  envolvidas não se esgota aqui. A grande maioria desses acordos foi suportado por apólices de seguros de cada uma das empresas. O Great White tinha um seguro de Resp. Civil Eventos que limitou sua contribuição a US$ 1 milhão, valor aceito pelo juiz.

Esse evento mostra o modelo americano de ver as responsabilidades e punir por um acidente. Embora em diferentes graus, este modelo está multiplicando em diversos países. Ou seja, qualquer que seja a participação, direta ou indireta no acidente, ela provoca a responsabilidade maior ou menor em contribuir na reparação às vítimas. Patrocínio, divulgação, venda de material e equipamentos, etc. Ainda que o cliente não tenha instalado adequadamente o material em questão, isso não isenta o fabricante da sua parcela de culpa. Em outras palavras o produtor é responsável pela instalação e uso adequado de seu produto.

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Além da reparação nos processos civis, houve a responsabilidade penal. Os donos da casa noturna: Jeffrey and Michael Derderian, bem como o manager da banda que acendeu os fogos, Daniel Biechele, foram punidos a penas superiores a 10 anos de cadeia. Mas saíram da cadeia, mudando o regime da pena após 3 anos, por bom comportamento.

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O acidente serve de base para o conhecimento de como evitar outras tragédias similares:

1)      Portas de emergência precisam ser amplas, de fácil abertura e acesso. O local precisa possuir uma quantidade de portas suficientes para escoar a sua lotação de pessoas em menos de 3 minutos.

2)      O estabelecimento precisa possuir defesas e equipamentos que retardem a propagação do incêndio. Tintas intumescentes, chuveiros automáticos (sprinklers), extintores, etc.

3)      Deve-se praticar o gerenciamento de riscos para avaliar a operação no local, como mensurar o risco do uso de fogos de artifício no interior do estabelecimento. Estabelecendo-se previamente as regras de segurança do local.

4)      Os danos a terceiros podem envolver muito mais do que apenas o proprietário do local do acidente.

5)      O material combustível usado em forros e isolamento acústico e térmico propagam o incêndio com uma velocidade mortal, em questão de minutos todo o prédio fica tomado pelas chamas com elevado poder calorífico.

 Abaixo um vídeo de simulação do escape das vítimas, considerando o calor produzido pelas chamas e a visibilidade após a fumaça tomar conta.

 

 

Onde foram encontrados os corpos das vítimas Onde foram encontrados os corpos das vítimas

Simuladores mostram, no vídeo abaixo, como o uso de sprinklers no prédio poderia retardar a propagação e permitir o salvamento de muitas pessoas.